O assédio moral tem sido uma questão delicada que trata da violência perversa, negligenciada pelas pessoas e organizações. No entanto, seus efeitos são algumas vezes fatais para ambas as partes, doenças físicas e psíquicas podem ter sua origem nesse fenômeno. Considera-se o trabalho uma das variáveis que determina o homem enquanto ser individual e social e, consequentemente, como um instrumento transformador do seu entorno, que desenvolve a sociedade, humanizando-a.
Considerando a atual sociedade brasileira nos moldes da escravocrata, a humilhação no trabalho, ou o assédio moral, sempre existiu, historicamente falando, nas mais diferentes formas. Humilhação esta embasada no próprio sistema macroeconômico, que, em seu processo disciplinar, favorece o aparecimento dessa forma de violência, em que o superior hierárquico detém certo poder sobre seu subordinado.
Para o empregador, o respeito à dignidade e os direitos de personalidade do empregado devem ser considerados como um ponto de apoio para a relação obrigacional no contrato de trabalho, e, muito embora a obrigação de pagamento pontual de salário seja considerada uma obrigação primordial do empregador, não menos primordial é a obrigação de preservar, garantir e tutelar os direitos de personalidade do empregado, que constituem extensão dos direitos fundamentais do cidadão. A competitividade desumana criou um ambiente propício para que um empregado, ou vários, assedie ou assediem um empregado que cria algum obstáculo ou que se destaca.
As agressões, no assédio moral, são fruto de um processo inconsciente de destruição psicológica, constituindo-se tal processo, de atos hostis mascarados ou implícitos, de um ou vários indivíduos (colegas) sobre um indivíduo específico, por meio de palavras, alusões, sugestões de “não-ditos”.
É a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego.
É importante ressaltar que apesar dos fatos isolados não parecerem violências, o acúmulo dos pequenos traumas é que geram a agressão. O dano psíquico poderá ser permanente ou transitório. Ele se configura quando a personalidade da vítima é alterada e seu equilíbrio emocional sofre perturbações, que se exteriorizam por meio de depressão, bloqueio, inibições, etc. Estes estados devem guardar um nexo de causalidade com o fato danoso. Poderá ocorrer desse último não gerar o desequilíbrio emocional, mas agravá-lo.
O assédio moral no cenário laboral é visto pelo resultado que provoca, pelo dano que efetivamente venha a causar na vítima, no caso, a doença psicoemocional. Para tanto, faz-se necessária perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe ao magistrado (que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional) sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal.
Freud descreve o perfil do assediador moral como o de uma pessoa “perversa”, que se utiliza dos mecanismos perversos para se defender. É um indivíduo com uma personalidade narcisista que ataca a autoestima do outro, transferindo-lhe a dor e as contradições que não admite em si mesmo: o seu ego é tão grandioso quanto a sua necessidade de ser admirado e a sua falta de empatia. Como não está apto a superar a solidão que o separa do mundo, dirigindo o amor para fora de si, é insaciável em sua busca de gratificação, sentindo intensa inveja das pessoas que são felizes e têm prazer com a própria vida.
O narcisista procura uma vítima da qual possa absorver a vida. Incapaz de reconhecer sua culpa e responsabilidade pelo mal que causa a si mesmo, ele transfere esse sentimento para a ofendida destruindo-a moralmente: primeiro a contamina com sua visão pessimista do mundo, até induzi-la à depressão, depois passa a criticá-la pelas suas fraquezas. Assim, o perverso só consegue existir e ter uma boa autoestima humilhando os outros.
Muitas vezes o objetivo do assediador é massacrar alguém mais fraco, cujo medo gera conduta de obediência, não só da vítima, mas de outros empregados, que se encontram ao seu lado. Ele é temido e, por isso, a possibilidade de a vítima receber ajuda dos que a cercam é remota. A meta do perverso, em geral, é chegar ao poder ou nele manter-se por qualquer meio, ou então mascarar a própria incompetência. O importante para o assediador é o domínio na organização; controlar os outros.
A vítima do assédio moral não é uma pessoa pacata, sem opinião própria, que fica em seu canto somente esperando o salário no final do mês ou simplesmente um executor de tarefas pré-determinadas. O agressor não se preocupa com este tipo de pessoa, pois esta não lhe ameaça o cargo, não transmite perigo. A vítima em potencial é aquela que leva o agressor a sentir-se ameaçado, seja no cargo ou na posição perante o grupo.
CONSEQUÊNCIAS EMOCIONAIS PARA A VÍTIMA
Pesquisas desenvolvidas com o objetivo de investigar os efeitos do assédio moral sugerem que esta situação reduz a saúde psicológica e física de suas vítimas e afeta negativamente seu bem-estar e a eficiência de outros trabalhadores, ao mesmo tempo em que instala a negligência, o absenteísmo e um aumento expressivo do pedido de licenças médicas e afastamentos por doença.
Uma entre cinco pessoas relatou estar em uso de medicamentos como consequência da experiência. Nesta direção, sintomas típicos associados à tensão foram relatados como associados ao assédio moral no trabalho, tais como insônia, melancolia e apatia, ansiedade, depressão, sintomas psicossomáticos, agressividade, desconfiança, prejuízos cognitivos, tais como, dificuldade de concentração ou de pensar claramente, reduzida capacidade para a resolução de problemas, isolamento e solidão, deterioração das relações interpessoais e transtorno por estresse pós-traumático.
Quando a vítima, de fato, começa a sentir os sinais da doença, aparece outro sintoma: a ocultação do problema. A atitude está diretamente relacionada ao medo de perder o emprego e por isso, como tática, o trabalhador não declara abertamente a sua doença e prefere sofrer sozinho.
Neste sentido, o assediado necessita, na maior parte dos casos, de tratamento de urgência. Deverão intervir de maneira coordenada e multidisciplinar, os profissionais que contribuirão para a resolução do problema – psicólogos, advogados, médicos, assistentes sociais, entre outros. Este tratamento deve se iniciar a partir de diagnóstico psicológico que estabeleça a estratégia terapêutica a ser seguida frente à análise da sintomatologia apresentada pelo afetado, na qual se combinem ao mesmo tempo os serviços especializados do campo jurídico para fazer frente aos complexos pormenores do procedimento ou ações legais a empreender.
Ainda vale lembrar que os atos de violência no trabalho provocam uma alteração imediata e geralmente duradoura das relações interpessoais, da organização do trabalho e do entorno laboral em seu conjunto. Aos empresários recai o custo direto do trabalho perdido e a necessidade de melhorar as medidas de segurança. Entre os custos indiretos podem ser citados: uma menor eficiência e produtividade, a redução da qualidade dos produtos, a perda de prestígio da empresa e a diminuição do número de clientes.
Nem sempre a prática do assédio moral é de fácil comprovação, porquanto, na maioria das vezes, ocorre de forma velada, dissimulada, visando a minar a autoestima da vítima e a desestabilizá-la. Pode camuflar-se numa “brincadeira” sobre o jeito de ser da vítima ou de uma característica pessoal ou familiar, ou ainda, sob a forma de insinuações humilhantes acerca de situações compreendidas por todos, mas cuja sutileza torna impossível a defesa do assediado, sob pena de ser visto como paranoico ou destemperado.
A intensificação do assédio pode levar ao isolamento da vítima, como forma de autoproteção, o que, posteriormente, o faz ser considerada pelos próprios colegas como antissocial e sem espírito de cooperação.
Finalmente, e não menos importante, a conduta do agente deve ser consciente, intencional ou previsível, sabendo este o efeito danoso sobre o ambiente de trabalho e sobre a integridade psicofísica da vítima. Os sintomas apresentados pelas vítimas de assédio moral são os mais diversos e variam de acordo com a intensidade e a duração da agressão.
As consequências de quem sofreu assédio moral não se limitam somente à saúde psicofísica, mas, também, gera repercussões sociais e econômicas, pois a vítima perde a confiança em si, tornando-se exageradamente desconfiada ou simplesmente desmotivada, ficando incapaz de reunir as energias suficientes para procurar um novo emprego.
Por fim, espera-se que o estudo possa contribuir para o encaminhamento de ações mais efetivas quanto ao fenômeno social que vem sendo denominado de assédio moral no trabalho.